Há três anos que uma casa de espectáculos de Tóquio anda a aprender com a Casa da Música, do Porto, a criar um serviço educativo na instituição. Esta semana houve mais uma visita a Portugal.
Não é bem uma ponte aérea, mas desde 2013 que há gente a circular com regularidade entre a Casa da Música, no Porto, e a Tokyo Bunka Kaikan, na capital japonesa. De cá seguem formadores que vão ajudar a desenvolver o serviço educativo da casa de concertos japonesa, de lá vêm “os melhores” formandos, para sentirem e verem como tudo acontece na Casa da Música. Desde o início da colaboração entre as duas instituições que nove escolhidos já cruzaram a distância entre o Extremo Oriente e o Porto. Agora, chegou a vez de Akiko Watanabe, soprano, Nobutaka Yoshizawa, tocador de koto (uma espécie de cítara japonesa) e Yukako Takata, pianista, rumarem ao Porto, acompanhados de Chizu Fukui, a responsável pelo desenvolvimento do serviço educativo da Tokyo Bunka Kaikan e por todo este intercâmbio estar a acontecer.
Quando, em Abril de 2011 regressou definitivamente ao Japão e começou a trabalhar com a casa de concertos de Tóquio, as sementes estavam lançadas. Em 2013, as viagens Porto-Tóquio-Porto começaram. “Tem sido um enorme privilégio e honra sermos reconhecidos por uma instituição como a Tokyo Bunka Kaikan”, diz Jorge Prendas, que já esteve seis vezes no Japão e se prepara para regressar, com a equipa de formadores, em Julho deste ano. “O grande desafio é conseguir adaptar o nosso modelo ao que é a realidade cultural e a mentalidade japonesas. Não poderíamos pura e simplesmente copiar o modelo português, não é essa a nossa perspectiva”, diz.
É isso que tem sido feito. Devagar, com a implementação, em Tóquio, do projecto Outreach, que é, para já, a face visível do serviço educativo japonês e que tem já envolvido algumas escolas da cidade. Nobutaka, Yukako e Akiko descrevem, com facilidade, o que mais os marcou no intercâmbio com os portugueses e riem-se quando descrevem experiências que não lhes passariam pela cabeça, se não tivesse existido o contacto com a equipa da Casa da Música.
Como mascararem-se de animais num workshop para crianças. Nobutaka ri-se abertamente enquanto descreve como actuou “com um fato de gato” para um grupo de crianças. A Casa da Música desafiou o grupo a desenvolver uma actividade para apresentarem na visita ao Porto. O resultado foi Nyao nyao chu chu, o equivalente a “miau miau” e seja qual for o ruído que um rato fará. Nobutaka vestiu-se de gato, Yukako, ao piano, de rato. Aprenderam algumas expressões em português, que agora repetem sem grande dificuldade – “bom dia”, “como te chamas”, “vamos cantar juntos”, “vamos semear”, “vamos ao circo” – e entraram num mundo novo. Nobutaka garante que quer levar este gato português até ao Japão, para ver como corre.
Yukako ouve a colega e concorda com tudo o que ela diz. É isso mesmo, diz. Mas é mais. Os workshops realizados pela equipa da Casa da Música no Japão foram “muito divertidos, mas não como aqui”, diz. Aqui, que é como quem diz nas salas de ensaios da Casa da Música, onde o pessoal do Serviço Educativo desenvolve vários workshops, como aquele a que os quatro japoneses assistiram, na passada sexta-feira. “Aqui é diferente, há mais conversa, muito envolvimento e ligação às crianças”, diz.
Os visitantes da Tokyo Bunka Kaikan apreendem tudo isto sem perceberem uma palavra do que se vai desenrolando à sua frente. Os gestos, as expressões faciais, a música, a forma como tudo flui, é suficiente para apreenderem um sentimento e forma de estar que querem levar para o Japão. Com calma.
E isso já se nota entre os três formandos que passaram uma semana no Porto. Nobutaka ainda parece perplexo por a Digitópia (o laboratório de criação e experimentação de música electrónica da Casa da Música) estar aberta a todos. Mas é mesmo assim? Basta aparecer? É, explicam-lhe e ele fica a pensar naquilo.
Yukako diz que o que mais a marcou foi “poder sentir que os participantes nos workshops se podiam expressar livremente”. Que, fizessem o que fizessem – mesmo sem a perfeição de que falava Jorge Prendas – o sentimento que recolhia das crianças era: “Eu sou aceite”. “Construir este tipo de relação é muito importante. Quero levar isto para Tóquio”, garante.
Já Akiko, que se balançara entusiasmada ao som das vozes portugueses, tem uma catadupa de vontades a saltar-lhe da boca. “Depois de tudo o que vi aqui, gostava de ter mais competências e mais ideias, mais instinto. Desenvolver a sensibilidade. Ajudar as pessoas a tirarem cá para fora o que têm lá dentro para expressar. Aumentar os horizontes e apoiar muitas pessoas”. Se houvesse um prémio para o entusiasmo, a soprano ganhava.
Chizu Fukui vai traduzindo tudo. O rosto enche-se de verdadeira admiração quando fala no trabalho da Casa da Música e diz que Jorge Prendas está sempre a lembrá-la que está a olhar para uma experiência de dez anos e não de um. Para ter calma, que um dia lá chegará. Mas ela nem quer pensar que a parceria pode terminar em 2018. “Espero que seja para sempre”. Até porque há muito ainda por fazer. Chizu quer investir no trabalho com as pessoas com deficiência e com os mais velhos. Estes são, aliás, o grande foco da sua atenção para os próximos tempos. “O primeiro problema social no Japão é o envelhecimento da população. As pessoas vivem muito tempo, sofrem de solidão. Descobrem-se pessoas mortas em casa há cinco meses”, diz. Aqui também, respondemos-lhe. Não somos assim tão diferentes.
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